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quarta-feira, 24 de junho de 2015

As melhores mães do mundo

Adorei este artigo. Na maior parte do que foi dito parece que estou a olhar um espelho. É tão assim. Tão depressa saem da boca de uma mãe dois berros como um meu amor. 

(Advertência: Este texto não deve ser lido por todas as pessoas! É exclusivo e recomendado só para aquelas que serão, muito provavelmente, as melhores mães do mundo.)

Não, não é verdade que as mães sejam serenas, macias e bucólicas, quase sempre. E que, seja diante do que for, reajam num tom ameno, almofadado e cheio de açúcar, sem sequer gritarem, esbracejarem e esconjurarem todos os descuidos que, sempre que elas são dedicadas e atentas, abundam numa casa. As mães saudáveis têm o direito (milenar!) a esganiçar-se, sim senhora! (Aliás, mães esganiçadas são um património imaterial da Humanidade; como se sabe.) E têm o direito a ameaçar que, um dia, se vão embora e “aí sim, vocês vão ver a falta que vos faço!”. E por mais que não esperem que ninguém as leve a sério, como é óbvio, agradeciam que toda a gente da família ficasse, pelo menos, em... estado de choque (!!!) diante de um grito como esse, em vez de permanecer em silêncio – entre o divertido e  uma atitude do género: “Ela fica tão gira quando está com mau génio!” – como se nada, na gritaria duma mãe, valesse para o que quer que fosse! Aliás, as mães (saudáveis, é claro) estão fartas e saturadas da sua função de mãe nunca ter nem domingos nem feriados! Nem ser considerada para efeitos de reforma, de banco de horas – a reverter em seu favor, aos fins de semana - ou com mais dias de férias, como devia ser!Afinal, quem é que levanta as crianças, todos os dias, e se dispõe ao papel (maléfico!) de as proibir de dormir mais cinco minutos, e se esgadanha contra os seus dedos papudos que reclamam “mais desenhos animados já!”? E quem é que as apressa a vestir e as obriga a engolir o pequeno almoço, quase sem respirar? E quem é que as intima a lavar os dentes (depressa!), antes de as ameaçar que vão de cuecas para a escola se não descerem (a correr!) para o carro para que, depois de esbracejarem contra o trânsito, irem numa correria deixar a miudagem, que cansa, só de ver? E quem é que deve sofrer de dupla personalidade e, depois dos ataques de nervos  de todas as manhãs, passa da fúria de leoa à maior de todas as ternuras e pespega um beijo inimitável, e dá um sorriso cheio de luz, e abraça, e diz “a mãe ama-te tanto!!!!”, enquanto aconchega os caracóis, e chama “príncipes” e “princesas” a crianças normais e ensonadas?  As mães!E quem é que sai mais cedo do trabalho e, cidade acima/cidade baixo, anda numa “roda viva” entre a escola, a piscina, o inglês, o futebol e a música, e transforma o porta-bagagens dum automóvel numa parafernália de mochilas, flautas, chuteiras, lanches, touca, toalha e óculos, e ainda tem tempo para as perguntas mais tolas que só as pessoas bondosas conseguem fazer (como, por exemplo: “ Como é que correu a escola?” ou “O que foi o almoço”) e – oh canseira! – fica parecida com a Cruela sempre que uma criança responde: “correu bem” ou “não me lembro”?... As mães!E quem é que, depois do trabalho, barafusta o tempo todo contra os trabalhos de casa mas que, ainda assim, franze a sobrancelha e – com um orgulho mal disfarçado – diz, num tom solene mas, todavia, aconchegado: “Eu não sei como é... Se eu não estiver sempre ali ao pé, ele não faz nada!...”? As mães?E quem é que tem a mania de dizer: “O meu filho não gosta de ser contrariado!” para justificar as 200 vezes que se chama uma criança para saltar para o banho, as outras 200 que são precisas para a convencer a deixar os desenhos animados para vir jantar, não esquecendo mais 200 suplementares em que  repete, devagarinho: “Come a sopa!” e acaba a ribombar: “Despachas-te ou não?...” antes de lhe dizer: “Abre lá essa boca, já!” (enquanto despeja as últimas colheres de sopa pelas goelas dum filho)? As mães!E quem é que, diante do lado mais demagógico duma criança (quando diz “Eu não sei” ou – “à Calimero” – se lamenta: “Eu não faço nada bem feito”) começa devagarinho: “Oh, meu pequenino: não sejas pateta... Vá... A mãe gosta tanto de ti!...” e, quando os interessados esperariam que em direitos adquiridos nunca se mexesse, e insistem só com mais um “não sou capaz” (é só mais um...) acaba a berrar, num tom amigo dos trovões: “Mas onde é que tu tens a cabeça?...” As mães!E quem é que faz o jantar, e tem a mania de achar que a sopa é importante, e que o peixe torna as crianças inteligentes, e que os vegetais fazem os meninos crescer, e as cenouras tornam os olhos bonitos, e as batatas fritas não prestam, e que a Coca-Cola torna as crianças mais redondinhas, e que o açúcar faz cair os dentes, e não deixa comer bolachas antes do jantar, nem pizza dia sim/dia sim? As mães!E quem é que, enquanto apanha os brinquedos que se atropelam pelo chão, mais a roupa que se amontoa na cadeira, mais a outra que se escondeu, (por iniciativa própria, logo se vê...) atrás do armário, e fiscaliza a mochila e os cadernos, e põe a roupa, esticadinha, para o dia que lá vem, e descobre pacotes de leite vazio onde não deviam estar, e embalagens de bolachas que – vá lá saber-se porquê – se refugiam no quarto das crianças, e enquanto arruma tudo, um dia atrás do outro, repete e repete e repete: “Mas será que tu nunca arrumas nada, é?..”  E quem é que nos seus piores dias de arrumadeira, pergunta, com um desvario quase sindical: “Mas achas que há empregadas cá em casa, é?...” As mães!E quem é que vai à escola e, enquanto conversa com as outras mães sobre os caprichos das crianças (como se fossem toques muito pessoais que a personalidade “muito vincada” de cada uma as leva a ter) se prepara para ser repreendida, por alguns professores, e tem de ouvir: “ Mas... está tudo bem lá por casa?” (sempre que as crianças acham enfadonhas muitas aulas, por exemplo) ou, nas alturas de pior karma, é advertida para a necessidade de dar mais apoio à pequenada “porque eu tenho 28 alunos e não chego para tudo?...” As mães!E quem é que não perde a compostura e, antes de fingir que deita os olhos para a televisão, enquanto pestaneja, ainda se esparrama na cama e conta histórias e, para se desintoxicar do papel de “chata oficial lá de casa”, sente que aqueles minutos de namoro, antes do sono, são os únicos em que não tem de ser mandona e refilona e tudo o mais que toda a gente espera que só as mães consigam ser e, quando dá conta, adormeceu, mais outra vez, na cama de um dos filhos, e é repreendida (e muito bem...) por esse desvario? As mães, claro.Mas, afinal, o que é querem mais das mães? Que elas não se esgotem? Que não exijam ter o direito a ser mimadas e, por mais que ninguém diga isso, que queiram, pelo menos, mais um miligrama de amor e outro de carinho do que aqueles que as crianças dão ao pai? E que não sejam vaidosas? E que sejam discretas e se anulem com se o aquilo que mais desejassem é que ninguém desse por elas?Por isso mesmo, que em relação a tudo o resto seja “ano nova, vida nova”, ainda vá. Mas em relação ao jeito muito especial de todas as mães eu espero é que nada deixe de ser como é. É claro que ninguém tem dúvidas que as mães “estragam” as crianças, sim! Mas que não haja quem ouse imaginar que as queremos doutro modo. Nós – os filhos, os pais e os avós, todos juntos, adoramos – no fundo – que elas sejam assim!

terça-feira, 9 de junho de 2015

Porque lembrar é preciso

Infelizmente o Povo Português, ou melhor, uma parte dele sofre de problemas de memória e na classe política essa doença é muito mais acentuada, chega a ser crónica. Para relembrar fica aqui mais um texto do Nuno Serra do blog Ladrões de bicicletas que permite confirmar que afinal não se trata de um "mito urbano". A entrevista pode ser vista bastando para isso clicar no link do youtube.

Memória (IV)


«Jornalista: Não se trata de uma contradição, quando o senhor incentivou tantos jovens a irem precisamente procurar emprego no estrangeiro?

Passos Coelho: Há uns quantos mitos urbanos, não há? Um deles é o de que eu incentivei os jovens a emigrar. Eu desafio qualquer um a recordar alguma intervenção ou escrito que eu tenha tido nesse sentido.» (Junho de 2015).

«Jornalista: Por exemplo, os professores excedentários que temos, e temos muitos, o senhor primeiro-ministro aconselhá-los-ia a abandonarem a sua zona de conforto e procurarem emprego noutros sítios?

Passos Coelho: Angola - mas não só Angola, também o Brasil - tem uma grande necessidade, ao nível do ensino básico e do ensino secundário, de mão-de-obra qualificada, e de professores. Nós sabemos que há muitos professores em Portugal que não têm nesta altura ocupação. E o próprio sistema privado não consegue ter oferta para todos. Nós estamos com uma demografia decrescente, como todos sabem, e portanto nos próximos anos haverá muita gente em Portugal que, das duas uma: ou consegue, nessa área, fazer formação e estar disponível para outras áreas; ou querendo-se manter sobretudo como professores podem olhar para todo o mercado de língua portuguesa e encontrar aí uma alternativa. Isso é perfeitamente possível.» (Dezembro de 2011).

A transcrição das perguntas e respostas não dispensa a visualização dos excertos das entrevistas, que a Shyznogud em boa hora compilou. De resto, duas notas adicionais (relativas à entrevista de 2011):

a) A facilidade com que o jornalista papagueia, sem pestanejar, a ideia de que temos «professores excedentários, e temos muitos»;
b) A invocação, pelo primeiro-ministro, do fantasma demográfico, da tal «demografia decrescente», para justificar o despedimento massivo de professores que a maioria de direita levou a cabo nos últimos anos.

Para que a realidade dos factos prevaleça, e a propaganda não leve a melhor, vale a pena recuperar umas contas que aqui fizemos: entre os anos lectivos de 2010/11 e 2012/13, a diminuição, em cerca de -14 mil, do número de alunos matriculados (crianças e jovens), foi inferior à redução verificada no número de professores, a rondar os -23 mil. Ou seja, no período em apreço (que não reflecte ainda os dados mais recentes), o sistema perdeu mais docentes que alunos. Como ilustração do «factor demográfico» e do «excesso de professores» em Portugal, estamos pois conversados.

A Maioria sorri de quê?

João Ramos de Almeida do blog Ladrões de bicicletas escreveu assim ...

Há dias, o INE divulgou as estatísticas das empresas que abrangem o ano de 2013.

Conviria ter dados mais recentes, para ser possível fazer um balanço do Memorando, já que a Maioria sublinha apenas os aspectos que lhe convém - redução do défice orçamental e regresso aos mercados. E omite todo o resto da realidade que deixou, após uma fria estratégia de aplicação de uma agenda de mudança rápida,  a mata-cavalos, da sociedade portuguesa. Algo muito próprio das cabeças de Vítor Gaspar, Jorge Braga de Macedo e António Borges. 

Olhemos então pelos olhos das empresas, já que esse sempre foi o lema da Maioria. Tudo para as empresas, nada contra as empresas, porque delas viria o emprego e a felicidade futura.

Fonte: INE Empresas em Portugal 2013 e 2012; valores em milhares de euros

Considerou-se os dados de 2008 a 2009, de crise internacional, e de 2011 a 2013, período de aplicação do Memorando de Entendimento. Não se considerou no gráfico o ano de 2010 porque, segundo os valores das estatísticas - e isso até é interessante - trata-se de um ano de retoma dos valores da crise. E se somado aos anos da crise internacional desinflacionam fortemente o seu efeito.
Apesar de pertencerem às mesmas estatísticas, os dados para os mesmos anos diferem de publicação para publicação, pelo que se considerou os dois períodos surgidos na mesma publicação e tomou-se apenas as variações entre cada ano.  


Eis as igualdades que convém ter em atenção:

(1) Valor Acrescentado Bruto (VAB a custo de factores) = Produção - Consumos intermédios - Impostos+Subsídios
(2) Excendente Bruto das Empresas (EBE) = Produção - VABcf - Gastos com pessoal - Impostos+Subsídios
(3) EBE = Produção - Consumos intermédios - Gastos com pessoal

Ou seja: é possível estabelecer uma relação entre a variação dos Excendentes das Empresas e as variações da Produção, dos Consumos Intermédios e dos Gastos com Pessoal. Como se pode ver, os Excedentes das Empresas descem se a Produção desce e se os Consumos Intermédios e os Gastos com Pessoal sobem. Por outro lado, os Excedentes sobem quando a produção aumenta e quando os Consumos Intermédios e os Gastos com Pessoal diminuem. 

Agora veja-se o que fez o Memorando, precisamente depois de uma fase de crise económica:

1) No período do Memorando, os Excedentes das Empresas caíram ainda mais do dobro do que tinham caído durante a crise internacional - de -10% para -20%; 

2) Essa quebra parece ter se ficado a dever ao maior afundamento da Produção (-10,5% de 2011 a 2013, contra -5,4% em 2007/9), possivelmente explicado por uma quebra da procura.  

3) Por outro lado, a quebra violenta nos Excedentes de Empresa no período do Memorando verificou-se apesar da quebra de 10,7% nos Gastos de Pessoal e de 7,6% nos Consumos Intermédios;

4) Quando calculadas as variações em montante para os Consumos Intermédios, verifica-se que se, em 2008, as empresas ainda adquiriram esses consumos bem acima dos valores de 2007, a partir daí as compras diminuíram ano após ano. O ano de 2009 sofreu uma quebra abrupta, mas em 2010 recuperou bastante. Já no período do Memorando, o ano de 2011 ainda registou uma subida na compra de consumos intermédios, para depois afundar. Feitas as contas acumuladas, os valores das variações são semelhantes nos dois períodos, o que indicia não ter sido esse consumo a explicar a queda dos Excedentes das Empresas e que mantiveram os seus valores apesar da quebra acentuada da produção entre 2011/13. 

5) A queda dos Gastos com Pessoal ficou a dever-se a um despedimento do Pessoal ao Serviço muito superior no período do Memorando do que no da crise internacional. Se o número de pessoal ao serviço desceu 0,9% de 2007 a 2009, já durante a aplicação do Memorando a quebra foi de 9,5%! Só em 2010, foram 95 mil pessoas que perderam o emprego.  


6) As duas fases não se comparam em termos de devastação no número de empresas. Enquando de 2008/09 desapareceram cerca de 91 mil empresas, no período do Memorando, verificou-se ainda a desaparição de mais 48,8 mil empresas. Só em 2010, desapareceram 54,4 mil empresas. 

7) No ano de 2010, já fruto das intervenções de combate à crise, incentivadas pela Comissão Europeia, os Excendentes das Empresas tiveram, face a 2009, uma variação positiva de 300 milhões de euros. A produção subiu 11,2 mil milhões de euros, os gastos com pessoal subiram 500 milhões de euros. Em 2013, face ao abrandamento (ou estabilização) da austeridade, à redução da poupança das famílias e das empresas (ver contas nacionais financeiras), os resultados começam a ressurgir. E com eles, o regresso do défice externo comercial.

Esta é a face da ideia peregrina de que era necessário deixar cair rapidamente as más empresas, purificar o tecido produtivo, para fazer renascer uma economia nova. Quem acreditou nesta fé deve estar muito decepcionado com o regresso em 2014 e 2015 da velha economia. Mas a desilusão deve ser proporcional ao silêncio cúmplice do falhanço. E à tentativa de fazer passar como frutos seus, aquilo que, na verdade, é o falhanço da filosofia adoptada desde o início pela Maioria. E daí o vacuidade do programa eleitoral da Maioria. Apenas pessoas pouco sérias poderiam considerar boas notícias o que é o enterro do pensamento económico da Maioria.

Onde ficou a ideia de que o Memorando ia mudar a economia portuguesa?