João Ramos de Almeida do blog Ladrões de bicicletas escreveu assim ...
Há dias, o INE divulgou as estatísticas das empresas que abrangem o ano de 2013.
Conviria ter dados mais recentes, para ser possível fazer um balanço do Memorando, já que a Maioria sublinha apenas os aspectos que lhe convém - redução do défice orçamental e regresso aos mercados. E omite todo o resto da realidade que deixou, após uma fria estratégia de aplicação de uma agenda de mudança rápida, a mata-cavalos, da sociedade portuguesa. Algo muito próprio das cabeças de Vítor Gaspar, Jorge Braga de Macedo e António Borges.
Olhemos então pelos olhos das empresas, já que esse sempre foi o lema da Maioria. Tudo para as empresas, nada contra as empresas, porque delas viria o emprego e a felicidade futura.
Fonte: INE Empresas em Portugal 2013 e 2012; valores em milhares de euros |
Considerou-se os dados de 2008 a 2009, de crise internacional, e de 2011 a 2013, período de aplicação do Memorando de Entendimento. Não se considerou no gráfico o ano de 2010 porque, segundo os valores das estatísticas - e isso até é interessante - trata-se de um ano de retoma dos valores da crise. E se somado aos anos da crise internacional desinflacionam fortemente o seu efeito.
Apesar de pertencerem às mesmas estatísticas, os dados para os mesmos anos diferem de publicação para publicação, pelo que se considerou os dois períodos surgidos na mesma publicação e tomou-se apenas as variações entre cada ano.
Eis as igualdades que convém ter em atenção:
(1) Valor Acrescentado Bruto (VAB a custo de factores) = Produção - Consumos intermédios - Impostos+Subsídios
(2) Excendente Bruto das Empresas (EBE) = Produção - VABcf - Gastos com pessoal - Impostos+Subsídios
(3) EBE = Produção - Consumos intermédios - Gastos com pessoal
Ou seja: é possível estabelecer uma relação entre a variação dos Excendentes das Empresas e as variações da Produção, dos Consumos Intermédios e dos Gastos com Pessoal. Como se pode ver, os Excedentes das Empresas descem se a Produção desce e se os Consumos Intermédios e os Gastos com Pessoal sobem. Por outro lado, os Excedentes sobem quando a produção aumenta e quando os Consumos Intermédios e os Gastos com Pessoal diminuem.
Agora veja-se o que fez o Memorando, precisamente depois de uma fase de crise económica:
1) No período do Memorando, os Excedentes das Empresas caíram ainda mais do dobro do que tinham caído durante a crise internacional - de -10% para -20%;
2) Essa quebra parece ter se ficado a dever ao maior afundamento da Produção (-10,5% de 2011 a 2013, contra -5,4% em 2007/9), possivelmente explicado por uma quebra da procura.
3) Por outro lado, a quebra violenta nos Excedentes de Empresa no período do Memorando verificou-se apesar da quebra de 10,7% nos Gastos de Pessoal e de 7,6% nos Consumos Intermédios;
4) Quando calculadas as variações em montante para os Consumos Intermédios, verifica-se que se, em 2008, as empresas ainda adquiriram esses consumos bem acima dos valores de 2007, a partir daí as compras diminuíram ano após ano. O ano de 2009 sofreu uma quebra abrupta, mas em 2010 recuperou bastante. Já no período do Memorando, o ano de 2011 ainda registou uma subida na compra de consumos intermédios, para depois afundar. Feitas as contas acumuladas, os valores das variações são semelhantes nos dois períodos, o que indicia não ter sido esse consumo a explicar a queda dos Excedentes das Empresas e que mantiveram os seus valores apesar da quebra acentuada da produção entre 2011/13.
5) A queda dos Gastos com Pessoal ficou a dever-se a um despedimento do Pessoal ao Serviço muito superior no período do Memorando do que no da crise internacional. Se o número de pessoal ao serviço desceu 0,9% de 2007 a 2009, já durante a aplicação do Memorando a quebra foi de 9,5%! Só em 2010, foram 95 mil pessoas que perderam o emprego.
6) As duas fases não se comparam em termos de devastação no número de empresas. Enquando de 2008/09 desapareceram cerca de 91 mil empresas, no período do Memorando, verificou-se ainda a desaparição de mais 48,8 mil empresas. Só em 2010, desapareceram 54,4 mil empresas.
7) No ano de 2010, já fruto das intervenções de combate à crise, incentivadas pela Comissão Europeia, os Excendentes das Empresas tiveram, face a 2009, uma variação positiva de 300 milhões de euros. A produção subiu 11,2 mil milhões de euros, os gastos com pessoal subiram 500 milhões de euros. Em 2013, face ao abrandamento (ou estabilização) da austeridade, à redução da poupança das famílias e das empresas (ver contas nacionais financeiras), os resultados começam a ressurgir. E com eles, o regresso do défice externo comercial.
Esta é a face da ideia peregrina de que era necessário deixar cair rapidamente as más empresas, purificar o tecido produtivo, para fazer renascer uma economia nova. Quem acreditou nesta fé deve estar muito decepcionado com o regresso em 2014 e 2015 da velha economia. Mas a desilusão deve ser proporcional ao silêncio cúmplice do falhanço. E à tentativa de fazer passar como frutos seus, aquilo que, na verdade, é o falhanço da filosofia adoptada desde o início pela Maioria. E daí o vacuidade do programa eleitoral da Maioria. Apenas pessoas pouco sérias poderiam considerar boas notícias o que é o enterro do pensamento económico da Maioria.
Onde ficou a ideia de que o Memorando ia mudar a economia portuguesa?
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