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quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Chamem-lhe o que quiserem

Não nos vamos livrar de um segundo empréstimo, uns chamam-lhe segundo resgate outros programa cautelar. O nome não é importante, as consequências é que o são. Daniel Oliveira publica no expresso um artigo sobre o mui afamado programa cautelar que segundo parece é inevitável. Inevitável ou não os sacrificados serão sempre os mesmos e os senhores que realmente mandam neste país, alemães e BCE não querem saber se há fome e miséria ou se o tecido empresarial está a desaparecer, isso são danos colaterais. Transcrevo aqui na íntegra o referido artigo.


Saberia toda a gente que, com os atuais indicadores financeiros e económicos, só poderíamos ir aos mercados com o apoio do BCE ou do Mecanismo Europeu de Estabilidade, garantido desde o anúncio de 2012. Anúncio que teve, aliás, um efeito positivo nos juros das dívidas de todos os países intervencionados. Vale sempre a pena recordar, para prevenir oportunismos argumentativos de circunstância, que todas as variações fundamentais dos nossos juros dependeram de condicionantes externas e não dos nossos dramas domésticos. Mas este apoio, que passa por garantias de segurança dadas aos mercados, dependerá da aceitação de condições e metas por parte do governo português. Mais coisa menos coisa, não andarão longe das da troika. Ou seja, a autonomia portuguesa não seria muito diferente da que teria com um segundo resgate. Portugal poderia vir a ter condições um pouco menos apertadas, mas estaria mais exposto às pressões dos mercados e pagaria, em princípio, juros mais altos. Já não sei do que falava Pires de Lima, no meio de afirmações e desmentidos. Mas é a isto que podemos chamar de programa cautelar, seja qual for a modalidade encontrada.

Uma coisa o programa cautelar não é de certeza: o fim do "protetorado" e a autonomia prometida, depois de todos os sacrifícios. Vender este novo programa, no momento em que deveríamos ficar livres da intervenção externa, como uma vitória e não como a demonstração de que a receita que aplicámos nos últimos três anos não atingiu os seus objetivos é de mestre. Com segundo resgate ou programa cautelar, o fundamental da política portuguesa continuará a ser determinada no exterior. E toda ela continuará a centrar-se nos interesses imediatos dos credores, ignorando a sustentabilidade económica do país. 

Chamar a um processo que dependerá da disponibilidade de financiamento e das condições impostas pelo BCE e pela Comissão Europeia de "pós-troika", só se for pela saída de cena do FMI. No fundamental, Comissão e Banco Central continuarão a decidir quase tudo.

Para este programa cautelar entrar em vigor, o governo teria de ter notas positivas até junho de 2014. Isso não deverá ser problema. Todos os números deste orçamento e todas as previsões da troika são conscientemente aldrabados. Apenas um entre muitos exemplos: apesar dos brutais cortes nos rendimentos de reformados e funcionários públicos, o consumo privado, nestas cabeças delirantes, irá estabilizar. Não é de prever, por isso, que a troika vá pôr fim a esta farsa, onde a avalia sua própria incompetência com base numa completa falta de rigor e de realismo.

Mas os recados começaram a chegar: se o Tribunal Constitucional chumbar as medidas apresentadas (sendo que o chumbo de pelo menos uma delas - os cortes salariais na função pública - só não acontecerá se o TC der uma enorme cambalhota em relação ao disse no passado) será difícil evitar o segundo resgate. Ou seja, é fundamental que o nosso Tribunal Constitucional se demita das suas funções. Depois, teremos de esperar pela decisão do Tribunal Constitucional alemão, que aprovará ou não a existência de um fundo de resgate. Ou seja, temos de continuar a tolerar as pressões externas sobre o nosso Tribunal Constitucional e esperar pacientemente pela decisão do Tribunal Constitucional deles, esse sim, merecedor de respeito institucional. Porque o nosso é formado por "ativistas" e o deles por juízes.

Vale a pena desdramatizar. Apesar de, este ano, termos ficado a léguas da sacrossanta meta do défice, a troika continua a querer que Portugal não tenha um segundo resgate. É uma decisão política sem qualquer relação com a nossa desastrosa prestação económica e financeira. Se o diretório europeu quiser mesmo que Portugal tenha um programa cautelar, Portugal terá um programa cautelar. Com ou sem chumbo do Constitucional português (já a decisão do TC alemão é crucial). Porque nesta decisão não é Portugal, mas a própria credibilidade das instituições europeias, que está em causa.

A decisão de garantir para Portugal e para a Irlanda um programa cautelar, que a Grécia não teve, é uma forma desesperada de esconder que fizeram aqui a mesma borrada que fizeram na Grécia. E, no entanto, cá estão os indicadores sociais e económicos para o desmentir. Não digo que não seja preferível o programa cautelar ao segundo resgate. Tem, como disse, vantagens e desvantagens. Digo apenas que virá ou não virá independentemente do que der nós. Porque é determinado por razões que nos são estranhas.

Do lado português, Passos Coelho também precisa desesperadamente disto. Enquanto o segundo resgate obrigaria, como obrigou o primeiro, à demissão do governo, o programa cautelar pode ser vendido como um novo ciclo. E é isso, e não o interesse nacional, que determinará o comportamento negocial deste governo.

O primeiro resgate foi uma decisão política da Europa. Que decidiu não travar a crise na Grécia, usando instrumentos rápidos de solidariedade europeia. Em vez de estancar a crise, tratou de isolar os países mais frágeis, em fortíssima dificuldades por causa da crise financeira internacional: Grécia, Irlanda e Portugal. Para controlar a situação, o BCE fechou a torneira aos bancos nacionais que nos continuavam a comprar dívida, pondo o Estado português entre a espada e a parede e obrigando-o a por-se nas mãos da troika para conseguir cumprir as suas obrigações imediatas. Por razões que a psicologia explicará, só em Portugal isto foi visto como um pedido de regate. Grécia e Irlanda - e a Espanha, que teve peso político para o evitar - viram-no como uma rendição a um ataque. E foi assim que se procedeu à transferência da dívida aos bancos franceses e alemães (principais credores dos países periféricos) para as instituições europeias, munidas dos instrumentos necessários para a cobrar, à custa da destruição das economias nacionais. O resgate à banca francesa e alemã, pago, primeiro, com o dinheiro dos contribuintes dos países ricos, que financiaram os programas de ajuda, e, depois, com a miséria dos países pobres, que os estão os a pagar com juros, foi uma escolha política.

Será uma escolha política a não existência do segundo resgate. Depois de ter acontecido na Grécia, ele lançaria o descrédito absoluto sobre o euro e a suspeita de que as instituições europeias não conseguiriam controlar esta crise E será uma escolha política avançar com este programa cautelar. Ele é a alternativa que sobra à assunção do falhanço das intervenções nos países periféricos. Mas mantém os países intervencionados debaixo de enorme pressão austeritária, presos por uma trela invisível.

Também foi uma escolha política impor metas impossíveis de cumprir e depois ignorar o seu incumprimento. Porque essas metas não são metas. São instrumentos de uma política de contração das economias (desvalorização interna) dos países periféricos, levando-os a pagar as suas dívidas através da destruição do seu futuro. Isto sem terem de sair do euro, o que traria demasiados riscos para os países do centro. 
Foram tudo escolhas políticas que têm muito pouco a ver com o que se faça ou tente fazer em Portugal. E essa é a principal razão porque os economistas mais despolitizados e provincianos não acertam uma. É tudo política e ela tem sempre e quase exclusivamente uma escala europeia. Saber fazer contas ajuda, neste caso, muito pouco.»

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