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quarta-feira, 15 de maio de 2013

A reforma do estado para quê?

Publico muitas vezes artigos do Daniel Oliveira, porque ao lê-los revejo-me no que escreve e concordo com muito do que diz. Este que se segue não é excepção e como sempre chama a atenção do leitor que se quer que alguma coisa mude temos que fazer por isso. Eu acredito num estado social assim, e acredito que é possível.

por Daniel Oliveira

A "reforma do Estado", assim como as "reformas estruturais", são excelentes expressões para políticos, jornalistas e comentadores. Têm a vantagem de, parecendo querer dizer qualquer coisa, toda a gente concordar, à partida, com elas.Quem não quer a reforma do Estado? Quem se opõe a reformas estruturais?

Eu, por exemplo, defendo uma reforma do Estado que aprofunde o Estado Social, generalize ainda mais a escola pública e o Serviço Nacional de Saúde. Porque é o mais justo e, se só esta linguagem hoje pode ser compreendida, porque só uma população qualificada e saudável pode produzir de forma competitiva, fazendo crescer a economia de forma a continuar a pagar a sua qualificação e a sua saúde, numa espiral de desenvolvimento. Os factos mostram que a economia das sociedades menos desiguais cresce de forma mais sustentada (…)

Quero reformas estruturais e políticas que garantam a separação entre interesses privados e o interesse público, acabando com a promiscuidade entre os grupos financeiros e os dinheiros do Estado, que suga os parcos recursos dos contribuintes. Quero que o Estado retome o controlo sobre a distribuição de energia, um dos principais factores de estrangulamento da nossa produção industrial. Que mantenha o controlo sobre a distribuição de água e os transportes públicos. Que recuse a privatização de serviços públicos e de monopólios naturais, que resultam em rendas insustentáveis pagas pelos consumidores. Que não seja um mero fiador da banca e exija, em troca, que esta cumpra as suas funções. Que dê ao seu banco público uma função central no financiamento da economia. Que dê aos reguladoresmuitíssimo mais poder, retirando-o das mãos dos regulados. Que desenvolva uma política fiscal mais progressiva, conseguindo assim mais receitas sem esmagar a classe média. Que recupere o controlo das políticas monetárias.

Não me parece que ideólogos deste governo subscrevam a reforma do Estado e maioria das reformas estruturais que defendo. Seria, por isso, avisado parar de usar estas duas expressões como se fossem, por si só, um programa político.

Qualquer reforma do Estado passa, antes de tudo, por este debate político: que funções queremos para o Estado? Um Serviço Nacional de Saúde universal e gratuito para todos ou apenas para os pobres, deixando a vida dos restantes entregues ao mercado? Uma Escola Pública interclassista ou apenas para quem não consiga pagar escolas privadas, desistindo do combate pela igualdade de oportunidades? Uma segurança social digna de um Estado Providência ou a velhice entregue à volatilidade dos Fundos de Pensões? Um Estado Social ou um Estado que garante apenas as funções de soberania? Estado na economia ou o mercado em rédea solta? Acreditamos que cabe ao Estado redistribuir riqueza e serviços ou que o mérito e a concorrência chegarão para garantir a prosperidade de todos?

Este debate tem de ser feito por nós, como comunidade. (…)  É uma escolha política. E, em democracia, a política é feita pelos cidadãos. (…)

(…) Porque a pergunta a responder é sempre esta :reformar o Estado para ele fazer o quê? Sabendo que esta decisão determinará o tipo de desenvolvimento teremos. (…)

Chegados a alguma conclusão em relação ao modelo que queremos seguir, olhamos para o Estado que temos e decidimos que medidas devemos  tomar para que ele esteja adequado ao que o País, como um todo, pretende dele. Depois de clarificarmos como devemos organizar o Estado, olhamos para os recursos do Estado e para os recursos da economia e percebemos como pode ele ser pago. (…)

O que o governo nos vem dizer é isto: para começar, vamos cortar de 4 a 6 mil milhões. E vamos cortá-los essencialmente nas funções sociais do Estado (que, para quem não saiba, não se cumprem sem funcionários públicos, professores, médicos, enfermeiros, técnicos, fiscais). E depois convoca os parceiros sociais e os partidos para fazerem propostas alternativas dentro da sua própria lógica.

Não há aqui nenhuma reforma do Estado e disto não pode nascer qualquer negociação séria. (…)  Sem que nenhum debate político seja feito pela comunidade sobre uma escolha que marcará a vida dos nossos filhos, netos e bisnetos. 

Só ficando assente que não estamos perante uma reforma do Estado, nem perante reformas estruturais, mas apenas perante mais um pacote de austeridade que tem nas funções sociais do Estado e em quem delas depende as suas principais vítimas, podemos ter uma conversa séria sobre as medidas de Passos Coelho.

Restam, assim, dois argumentos possíveis para defender esta loucura: ela é a única forma de endireitarmos as contas públicas e pormos fim à espiral de endividamento; ou apenas precisamos disto para nos vermos livres da troika e regressarmos aos mercados.
(…)
Resumindo: se eu a pago pela escola e pelo SNS perco rendimento. Se o Estado reduz as reformas tira rendimento aos reformados. Perder rendimento por via da contração do Estado Social ou do aumento de impostos tem o mesmo efeito na carteira das pessoas e, por isso, no conjunto da economia. Se o Estado, ainda por cima, faz as duas coisas em simultâneo, asfixia os cidadãos.
(…)
Sim, o debate sobre o que queremos do Estado e, por essa via, em que sociedade queremos viver, é mesmo o mais importante. E, ao contrário do que pensa o Presidente, este debate é, sempre foi, sobre o Portugal pós-troika. Só que ele está a fazer-se agora, com as medidas que estão a ser tomadas. Quem tenta mostrar que este caminho é um suicídio está mais preocupado com o futuro do que com o presente. Quem corta a eito e esmaga o País com a austeridade para cumprir metas e ver avaliações da troika resolvidas é que só pensa no presente.

Se assentarmos que queremos mesmo defender o Estado Social, mudando o que tem de ser mudado (diversificando as fontes de financiamento da segurança social, combatendo a crise demográfica, fazendo da criação de emprego o principal objetivo da nossa política económica, expurgando do sistema, com tempo e de forma planeada, desperdícios e incongruências), teremos de concluir que a nossa recuperação económica não se fará às custas da sua destruição. (…)

Continuar a impor a retórica da inevitabilidade é recusar o debate político. (…)

Para que não fique aqui a ideia de que sou ingénuo: há quem, no governo, saiba muito bem o que quer. E que esteja mesmo a preparar uma reforma do Estado. Que passa, no essencial, pela destruição das suas funções sociais. Tem o direito de acreditar que esse é o melhor caminho para a prosperidade do País. Não tem é o direito de se esconder em falsas inevitabilidades para o impor. Diga-as de forma explicita e tente conquistar a maioria social que evidentemente lhe falta. A isso, e não à chantagem, se chama democracia.»

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