Sobre os exames da 4ªa classe, acho-os descabidos, a avaliação deve ser contínua. Coloca uma pressão desnecessária nas crianças, não ajuda à sua progressão. Eu tenho um exemplo em casa, ainda não está no 4º ano mas no 3º e já aprendeu coisas que eu aprendi muito mais tarde no meu percurso escolar, tem uma capacidade de raciocínio fantástica, o novo programa de matemática é realmente extraordinário. Eles realmente aprendem comoracicionar. Acredito que se tivesse começado assim teria sido melhor aluna a esta disciplina, teria uma forma de racicionar e pensar bem diferente, mais ágil. Concordo quando o Daniel diz que a inteligência também se treina.
Daniel Oliveira escreveu um artigo bastante claro sobre esta aberração que são os exames do 4º ano. Deixo aqui algumas partes que acho importantes realçar.
Desde que a humanidade existe que todas as gerações se convencem que as gerações que lhes seguem são menos civilizadas, menos disciplinadas, menos educadas, mais ignorantes e menos preparadas do que a sua. Apesar da evidência de que, regra geral, a humanidade não regride, mas evolui, esta é talvez a única coisa que os homens não aprendem. Porque aprender isto implicaria uma dose insuportável de humildade: a de que os nossos filhos sabem e saberão mais do que nós.
Não vou aqui perder muito tempo a escrever sobre os exames do 4º ano. É uma conversa de surdos. (...) Se eu der o exemplo da Finlândia, onde não há retenção de alunos e só há um exame nacional no fim do ensino secundário, tendo, no entanto, segundo os dados do PISA, um dos melhores sistemas de ensino público do Mundo, dirão que somos culturalmente diferentes.
Fico-me então pela fantasiosa memória que as pessoas têm da sua escola. A escola de que tantos sentem saudades exercitava a memória. Não a desprezo. Mas não chega. (...) Não chega num tempo em que tudo muda demasiado depressa e aprender coisas novas toda a vida é o que se exige a todos. Não chega quando a maioria da população se prepara para graus académicos mais exigentes.
A escola ensinava a ler, escrever e contar. Sem saber ler, escrever e fazer contas não se faz grande coisa. Mas saber ler também é perceber o que se lê. Saber escrever não é apenas não dar erros. Quem pensa mal escreve mal. Saber fazer contas é perceber o processo que leva a um resultado. Para fazer trocos bastava o que se aprendia. Para exercitar a capacidade de abstração e apurar o sentido lógico não. E ensinava a obedecer. E é isso que explica que haja tanto patrão que ainda julga que não paga ao seus funcionário para pensar e tanto funcionário que acha que só está ali para cumprir ordens.
Mas mesmo na complexidade das matérias lecionadas a escola era medíocre. Faço um desafio: ponham os miúdos do 4º ano a fazer os antigos exames. Ponham adultos que tenham apenas a 4ª classe (e que têm a vantagem de terem aprendido mais algumas coisas depois da escola) a fazer os atuais exames. É provável que tenham surpresas. Porque o que se aprende hoje nos primeiros anos de escola é muito mais complexo e difícil do que o que se aprendia antes. Porque memorizar, sendo importante, qualquer pessoa medianamente capaz consegue fazer. Raciocinar, criar e interpretar exige capacidades intelectuais bem mais sofisticadas. Mas custa confessar: somos, porque fomos preparados para o ser, menos inteligentes (sim, a inteligência exercita-se) do que os nossos filhos.
(...) A escola é hoje menos autoritária, mas mais exigente do que era. É por isso (e porque a quantidade ajuda à qualidade) que os funcionários públicos são melhores do que eram, os polícias são melhores do que eram, os cientistas são melhores do que eram, as universidades são melhores do que eram e os cidadãos são melhores do que eram.
As crianças estavam, dirão, mais preparadas para a vida. O próprio ministro diz que estes exames ajudam a aprender a lidar com a ansiedade com que estas crianças viverão na vida adulta. Ajudam? Quantas vezes, depois da escola, o leitor teve de se sentar numa secretária e debitar, por escrito, tudo o que sabia sobre um determinado assunto? Pelo contrário, quantas vezes se sentiu ansioso por ter de falar em público? Por ter de expressar uma ideia mais complicada? Por ter de argumentar? Por ter de negociar? Por ter de criar uma coisa realmente nova? Por ter de aprender a usar uma nova tecnologia? Por ter de mudar hábitos de trabalho? Por ter de interpretar um poema, um artigo de jornal, um impresso das finanças, um manual de instruções?
A velha (e ainda a atual) escola preparou toda a gente para decorar matéria, despejá-la para o papel em 50 minutos e depois esquecer. Não preparou quase ninguém para todas as coisas realmente necessárias na sua vida e na profissão. Porquê? Porque a escola preparava cidadãos acríticos, trabalhadores braçais que apenas tinham de repetir para o resto da vida o que lhes era ensinado e gente que não saísse da norma. Não preparava cidadãos exigentes, profissionais qualificados e uma geração que conseguisse inovar.
(...) Mais: olhamos hoje para um miúdo de 9 anos de uma forma completamente diferente do que olhávamos há 50 anos. Achamos que não deve trabalhar, recusamos a violência física sobre ele, achamos que, sendo a disciplina importante, não chega para formar uma pessoa decente. Há quem tenha saudades doutros tempos? Não vejo como ter saudades de um país servil, atrasado e ignorante.
(...) Crato está, aos poucos, a destruir quase tudo o que de bom foi feito: o horário completo, a importância das disciplinas mais criativas, o uso de novas tecnologias, o programa de matemática que melhores resultados conseguiu. (...) Qualquer pessoa consegue chumbar um mau aluno. Difícil mesmo é criar condições para ensinar quem não consegue aprender.
Não vejo, de muitos professores, a revolta que sentiram com a atabalhoada avaliação que a antiga ministra lhes quis impor. Se fosse demagógico diria que avaliar os outros é sinal de exigência, mas sermos avaliados é uma chatice. (...)
A escola dos exames e dos rankins, a escola que Nuno Crato diz ser exigente, é a mais facilitista de todas as escolas. Massacra crianças com avaliações sucessivas. Não exige nada dela própria. Mas é, acima de tudo, um projeto social com contornos ideológicos bem definidos. A escola democrática ensina a questionar. A escola de uma sociedade que combate a desigualdade aplica-se nos que têm mais dificuldades. A escola de Crato ensina a decorar sem questionar e tem como principal função selecionar. Não, não é de educação e de ensino que tenho estado a falar. É do país que estamos, aos poucos, a recriar.»
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