Trata-se de mais um dos muitos artigos de opinião que Daniel Oliveira vem publicando no Expresso. Gosto do que escreve, como escreve e sobretudo da forma clara e concisa com que expõe os factos.
Este artigo tem como base o último filme de Steven Spielberg, Lincoln. Tudo, para no fim concluirmos que a política é mesmo porca. Sim, concordo que não é possível mudar o mundo sem cometer erros, viver é errar, mas o que se espera é que aprendamos com os erros, políticos incluídos.
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Todo o filme (os factos históricos são obviamente muito mais complexos) é feito para nos levantar a eterna questão: os fins justificam os meios? E nada melhor do que fazê-lo com o mais nobre dos fins e os mais escorregadios e menos brutais dos meios. Só assim é que é difícil responder. A minha resposta de princípio é esta: não, os fins não justificam os meios. Porque os meios carregam em si os fins. O caminho que escolhemos determina onde chegamos. Lá está: se nos esquecemos de olhar para bússola acabaremos por chegar a um destino bem diferente do que tínhamos definido. De desvio em desvio, para tornear cada montanha, rio ou pântano, acabaremos por nos esquecer para onde íamos. Esta é a resposta fácil. Mas as coisas estão algures no meio. Sabe-o qualquer radical. Radicalismo e pragmatismo não são incompatíveis.
É desta tensão entre o que queremos e o que estamos dispostos a fazer para lá chegar que a política vive. Em que se relativizam valores fundamentais, sempre na esperança de não se perder, no meio, tudo aquilo pelo qual se lutou. Não, nem tudo se pode fazer por uma grande causa. Há fronteiras que se se esbatem nunca mais voltam a existir. Mas não, não há políticos puros nos seus princípios. Todas as grandes conquistas civilizacionais, as melhores que cada um possa imaginar, não dispensaram tácticas, truques, dissimulações, mentiras, ultrajes e muito cinismo. Só não suja as mãos quem nunca as põe na lama. E quem não se quer sujar raramente muda seja o que for. Morre tão puro como inútil. Guarda os seus valores sem nunca os ver prevalecer.
Tenho consciência dos perigos que todo este pragmatismo nos pode trazer: a vitória do pior do cinismo político e a justificação de todo o tipo de atropelos à ética. Mas essa é a vantagem deste filme: um manifesto contra a infantilidade política que se limita a reger por postulados morais, ignorando que as coisas são sempre mais complicadas do que o "bem" e o "mal", o "certo" e o "errado". O filme pode não ser brilhante, mas é muitíssimo pedagógico. A política pode ser, como a vida, muito porca. Não é feita para estátuas. Mas só ela, às vezes no meio da lama, pode melhorar as nossas vidas e transformar princípios minoritários e radicais em práticas e leis consensuais.
Fonte: Daniel Oliveira, aqui»
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