Mais uma crónica do Daniel Oliveira que chama a atenção para o atentado que Nuno Crato, Ministro da Educação pretende cometer.
O barato sai caro
A generalização das atividades de enriquecimento curricular foi das melhores medidas do governo anterior. Uma das poucas que me mereceu um elogio sem reticências a uma ministra por quem nunca morri de amores: Maria de Lurdes Rodrigues. Com ele, o horário completo nas escolas públicas passou a ser finalmente possível. Tratou-se de uma revolução na vida das famílias.
Para a classe média, teve efeitos evidentes. Uma das mais poderosas razões para fugir para o ensino privado desapareceu, criando assim condições para uma escola pública interclassista e, por essa via, de qualidade. O que a classe média poupou - seja no pagamento das mensalidades das escolas privadas, seja no pagamento de ATL e de atividades extraescolares, foi muito mais do que o Estado gastou. Ou seja, o rendimento disponível que esta medida garantiu foi maior do que o dinheiro dos impostos que foi gasto. No deve e haver, ficámos todos a ganhar: mais dinheiro para economia.
Para os mais pobres a mudança foi ainda mais radical. É a diferença entre tercrianças sozinhas a ver televisão ou na rua e ter crianças a crescer e a aprender. É que, ao contrário do que Nuno Crato pensa, o ensino não se resume a aprender a ler e contar. É, para os que fazem contas à vida, a diferença entre se sentir que se têm condições para ter mais filhos e perceber-se que isso é uma impossibilidade prática. Para um País que tem na sua crise demográficaum grave problema social, económico e até de sustentabilidade da sua segurança social, é uma diferença poderosa.
O governo está a pôr a possibilidade de, para poupar 100 milhões de euros, exigir a comparticipação em 50% das atividades de enriquecimento curricular no 1º ciclo. Com a atual crise, esse pagamento será virtualmente impossível para a maioria dos pais, sejam pobres, sejam de classe média.
Para quem o pagar, é um novo imposto. Sim, repito o que já escrevi várias vezes: pagar serviços públicos tem o mesmo efeito de um imposto, com a diferença de não ser, ao contrário do IRS, progressivo. E isso significa menos dinheiro para o mercado interno. E mais crise.
Para os que não possam mesmo pagar, isto significa uma ginástica dificílima, que deixará os filhos sem qualquer acompanhamento durante uma parte razoável do dia. Sobram os avós (quando existem), que, com os cortes nas reformas, têm cada vez menos capacidade de cumprirem o papel que lhes tem sido reservado: a verdadeira segurança social familiar deste país.
Para os que pensem ter filhos e não tenham folga financeira (quase metade dos jovens está desempregada), isto é mais um argumento para adiar a decisão, aumentando ainda mais um insustentável desequilíbrio demográfico com efeitos devastadores na economia e nas contas públicas.
Aqui está um exemplo de uma medida de contabilidade estúpida que parece ser um corte e é uma despesa. Que parece equilibrar as contas públicas mas as desequilibra. Que parece libertar dinheiro para a economia mas retira dinheiro à economia. E que é socialmente injusta, reduzindo a igualdade de oportunidades num dos mais desiguais países da Europa. Para quem tem "bom berço", teatro, desenho, desporto e jogos. Para quem nasceu pobre, televisão e rua.
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