Olhamos
à nossa volta e vemos, todos os meses, milhares de jovens emigrar. Ouvimos amigos e filhos de amigos
falar dos seus planos para partir. Não com a satisfação de quem procura novas
experiências, mas com a frustração de quem sente que o País onde nasceu não lhe
dá nem lhe dará no futuro qualquer oportunidade.
Comparamos
muitas vezes esta emigração com a do passado. É incomparável. O que estamos a perder agora são as primeiras
gerações de gente qualificada. Qualificada graças a um investimento que,
no discurso dominante, é tida como um luxo incomportável.
(..) Esta
vaga de emigração não terá apenas um efeito catastrófico no já desastroso equilíbrio demográfico do País.
Terá efeitos profundos na sustentabilidade
da segurança social, na competitividade da
nossa economia, na capacidade de inovação e
em todos os domínios do futuro de Portugal. Envelhece, desqualifica e atrasa o País.
Paulo Azevedo, presidente executivo na Sonae, disse
este mês que a maioria dos que
emigram regressarão. (..) A razão porque Paulo Azevedo diz isto está
numa outra declaração sua: "é melhor trabalharem no estrangeiro do que
estarem desempregados". É verdade. Acontece que alguns dos que emigram não
tinham apenas o desemprego como destino em Portugal. Tinham um trabalho mal pago e sem qualquer segurança
ou perspetiva de futuro. Eram sobrequalificados para o tecido empresarial português, que, por
culpa própria e do Estado, não acompanhou o investimento público na
qualificação do trabalho. O modelo de desenvolvimento que este governo defende,
com uma aposta na competitividade
pela redução dos custos de produção, não dá aos jovens emigrantes
qualquer esperança de regresso. Portugal acentua todas as razões que os levam a
partir.
Pode até
acontecer que esta seja a última vaga de emigrantes qualificados. Por uma
simples razão: se o nosso modelo
económico despreza a qualificação, deixaremos, com o tempo, de qualificar os
nossos jovens. E ficaremos muito próximos dos países subdesenvolvidos,
que formam os seus quadros no estrangeiro e dependem do estrangeiro para tudo o
que exija alguma especialização. Seremos o que já fomos: um fornecedor de mão de obra desqualificada e
de talentos por formar.
Se a
taxa de emigração jovem continuar a subir - como o FMI recentemente confessou
ser, com a aplicação da austeridade, inevitável -, Portugal estará condenado
por décadas. Teremos de começar tudo do princípio. O investimento que fizemos, e que permitiu inverter em tempo record os
nossos indicadores sociais, escolares e de saúde, teve resultados lentos. Mas
para destruir esses resultados e atirar para o lixo todo o dinheiro que usámos
não é preciso muito tempo. Bastam dez anos.
Há uma
parte de tudo isto em que temos, como comunidade, fortíssimas
responsabilidades. Desprezamos,
enquanto povo, quase todas as conquistas dos últimos quarenta anos.
Apesar de temos um dos melhores
serviços nacionais de saúde do Mundo, quando não tínhamos nada antes,
poucas vezes guardámos uma palavra positiva para ele. Apesar de termos democratizado e generalizado o ensino em
pouquíssimo tempo, guardámos os elogios para a escola do passado, que
ensinava, e ensinava mal, uma pequena minoria. Desprezámos as impressionantes evoluções em saneamento básico,
infraestruturas e condições de vida dos portugueses. Com imensos erros,
conseguimos coisas extraordinárias e raramente, no nosso discurso quotidiano,
lhe demos qualquer valor.
Num
artigo do jornal "Público", ainda antes das últimas eleições, Pedro
Passos Coelho recordava que, de 1973 a 1999, as despesas sociais passaram de
8,7 por cento para 26,1 por cento. Acontece que antes do 25 de Abril cinco milhões de portugueses não tinham cobertura
médica, a mortalidade infantil estava na estratosfera e havia muitas vezes mais
analfabetos do que licenciados. Na altura, as nossas despesas sociais
estavam, em percentagem do PIB, muito abaixo da média europeia. E continuam a
estar. Mas aproximámo-nos da Europa. E agora, que os nossos amigos, os nossos
filhos e os nossos netos partem, porque os que sempre viram estas conquistas
como "demasiado generosas" finalmente levaram a melhor, choramos por
o que estamos a perder.
Como
comunidade, temos de nos perguntar: soubemos merecer as nossas vitórias? O País que construímos nas últimas décadas (e que é visível
na mais qualificada e preparada geração da nossa história, que durante anos
tratámos, por despeito, como ignorante) está
a partir. Se nada fizermos, ficará
o País do passado. A não ser, claro, que tomemos a defesa do que
conquistámos como a luta das nossas vidas. Melhorando o que há para melhorar.
Mas nunca regressando a um passado que nos obrigou a conquistar em poucas
décadas o que outros tiveram um século para conseguir.»
por Daniel Oliveira, texto completo aqui
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